A experiência do usuário-cidadão nos serviços públicos e acesso à informação: algumas reflexões sobre o Governo Aberto

Alexandre Berbe
6 min readDec 18, 2018

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via Pixabay

Nesse mês, aconteceu na cidade de São Paulo o III Encontro Brasileiro de Governo Aberto. Criado em 2016, o evento foi criado com o objetivo de criar um espaço para debates e integrar organizações da sociedade civil, órgãos públicos, pesquisadores, universidades e representantes de movimentos sociais que atuam na área.

Esse artigo pretende apresentar uma breve análise do que foi debatido durante o evento e alguns conceitos sobre Governo Aberto.

Governo Aberto

Lançada em setembro de 2011, a Parceria para Governo Aberto (do inglês Open Government Partnership — OGP) é uma iniciativa internacional que visa difundir e incentivar práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, acesso à informação pública e participação social.

No Brasil, a Lei Federal nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, estabelece a regulamentação básica para que garantem às pessoas o acesso aos dados e informações produzidos pelos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Apenas como efeito de comparação, a Suécia foi a primeira nação do mundo a criar, em 1766, um conjunto de regras de acesso à informação pública. Na América Latina, a Colômbia foi a pioneira, estabelecendo um código sobre o assunto em 1888.

Embora seja uma regulamentação recente e ainda desconhecida pela maior parte das pessoas, os especialistas em Governo Aberto garantem que a legislação brasileira, apesar de tardia, é uma das mais avançadas do mundo, já que atribui, entre outras coisas, prazos e responsáveis pelo acesso à informação.

Controle social e participação cidadã

Durante o Encontro, representantes do poder público, pesquisadores e alguns grupos da sociedade civil apresentaram suas iniciativas de Governo Aberto. Basicamente, o esforço dessas pessoas busca aprimorar o acesso à informação pública com o objetivo primário de controle social — esse conceito pode ser entendido, resumidamente, como o acompanhamento (ou fiscalização) das atividades e aplicação de recursos do setor público.

No entanto, a prática do controle social não é um assunto tratado de forma natural no cotidiano da população em geral. Por diferentes razões, tais como desinteresse, desconhecimento ou a burocracia nos canais de atendimento dos órgãos públicos, o controle social ainda é restrito aos profissionais do jornalismo, das entidades que fiscalizam os gastos públicos (ONGs como o Transparência Brasil, CGU e Tribunais de Contas), pesquisadores e demais pessoas que estejam trabalhando diretamente em projetos relacionados ao Governo Aberto.

Design centrado no usuário dos serviços públicos

Além da parte do accountability, outro princípio do Governo Aberto é a participação cidadã. Espera-se que, numa sociedade ideal, organizações e cidadãos devem ser envolvidos e empoderados não apenas no acesso às informações, mas também no processo de planejamento, decisão e acompanhamento na aplicação dos recursos públicos.

Há muita pessoas engajadas que participam de audiências e consultas públicas, estão próximos dos seus representantes no legislativo e conhecem os caminhos para ter acesso às informações públicas. Mesmo assim, em relação a outros países, não podemos dizer que exista uma cultura de participação social tão desenvolvida aqui no Brasil.

Eis que surge uma importante questão:

Como motivar e envolver as pessoas para que tenham acesso à informação e participem de forma mais ativa nas atividades e decisões do poder público?

Na comunicação e no marketing, gerar engajamento do público com uma publicação, produto ou serviço é uma das principais metas a serem atingidas. Busca-se que isso ocorra de forma natural, espontânea e sincera, criando grupos de pessoas que demonstram sua satisfação (ou insatisfação) em relação a uma marca.

Por outro lado, quando falamos em governos e serviços públicos, exceto em casos excepcionais (é o caso da Prefeitura de Curitiba, no Facebook), como despertar o interesse e o engajamento do cidadão assim como se faz com uma latinha de refrigerante ou um desodorante spray? De forma geral, as pessoas procuram os órgãos públicos porque existe uma necessidade (pagar um imposto, fazer uma reclamação, solicitar um documento, ter acesso a uma informação, etc.), não necessariamente uma vontade.

Para despertar esse sentimento de “fazer parte do processo”, o melhor caminho seria mudar a cultura da população. A participação cidadã deve ser ensinado desde cedo, como parte do currículo escolar dos alunos, e por campanhas informativas para a população em geral. No entanto, sabemos que mudanças culturais exigem grande esforço e tempo. Não é tão simples.

Um outro caminho é oferecer uma experiência incrível e inesquecível. Num setor conhecido pelas seus infindáveis procedimentos baseados em normas e burocracias que muitas vezes não fazem sentido, a melhor experiência possível é a simplificação de tarefas.

Interagir com o governo deve ser uma experiência positiva!

Em 2013, o Governo Britânico realizou uma profunda alteração na forma de oferecer serviços e informações para a população. Eles fizeram um grande trabalho de design e reorganização de todos os seus conteúdos (que estavam espalhados por mais de 700 endereços digitais), o que resultou num portal simples, acessível e fácil de usar.

Esse trabalho resultou em 10 princípios de design que norteiam o desenvolvimento dos projetos do Governo Britânico e o aprimoramento de serviços existentes. Talvez como reconhecimento máximo do projeto, o GOV.UK conseguiu levar o prêmio The Design’s of the Year 2013, do Museu de Design de Londres, como a melhor peça de design do mundo, alcançando a maior pontuação entre todas as categorias.

Ben Terrett, chefe de Desing do GDS — Government Digital Service, disse:

“As pessoas não entram no site do governo para contemplá-lo, elas querem resolver o que querem da maneira mais rápida possível.”

O objetivo principal do projeto de design do GOV.UK era oferecer uma ferramenta de acesso às informações e serviços, inspirada talvez na interface simples do Google, capaz de atender as plenamente as necessidades do usuário (design centrado no usuário ao invés do design centrado no governo) que, no caso dos serviços públicos, é resolver os problemas da maneira mais rápida e eficiente.

Outra característica do Governo Aberto é a busca pela acessibilidade. Não só em termos de aplicação de tecnologia assistiva para pessoas com deficiência, mas também por meio de conteúdos inteligíveis que podem ser facilmente compreendidos.

Além de um planejamento cuidadoso de design e arquitetura de informação, a boa experiência do usuário também é alcançada pelo uso de linguagem clara dos textos governamentais. Esse conceito é conhecido como Plain English, no Reino Unido, e Plain Language, nos EUA (existe até uma lei criada por Barack Obama, em 2010), que pode ser entendido como a eliminação do “governês”, do “burocratês” e todos os jargões desnecessários que só complicam o entendimento das informações.

Por um governo mais simples

Meus pais são de uma época em que se levantava do sofá para girar o “dial” da TV e sempre tiveram problemas com controles remotos. São muitas teclas, funções e textos que não fazem nenhum sentido para eles (áudio, legenda, voltar e “mute”… o que é mute?!). Eles só querem ligar e desligar, trocar de canais e ajustar o volume do aparelho. Nada mais.

Da mesma forma que o controle remoto, algumas coisas não fazem muito sentido para quem busca interagir com os governos e órgãos públicos em geral. Embora as atribuições sejam compartilhadas entre municípios, estados e União, assim como Executivo, Judiciário e Legislativo, é necessário lembrar que, para o cidadão, existe apenas um governo.

Por essa razão, acredito que há uma complexidade inerente que existe sem nenhuma necessidade. Todo o processamento de informações e coordenação de ações por parte de diferentes órgãos deveriam acontecer de forma invisível para o cidadão.

O fato é que as demandas do cidadão não mudaram com a tecnologia. Queremos respostas rápidas para o problema do mato que está tomando conta do playground da praça, uma forma de conseguir a segunda via do RG na véspera daquela viagem internacional ou saber de forma clara o que aconteceu com aquela verba que estava destinada para a reforma da escola dos nossos filhos.

As iniciativas de Governo Aberto visam simplificar o acesso às informações e serviços públicos, garantindo que as pessoas possam realizar suas tarefas de forma tão simples quanto pedir um Uber ou uma pizza no iFood. Elas também buscam oferecer meios eficientes que as pessoas participem de forma proativa. Nesse sentido, o modelo proposto pelo GOV.UK deve ser usado como referência para desenvolver a inovação no setor.

Por outro lado, é importante lembrar que não basta criar soluções 100% digitais se estamos distantes de uma população 100% digital.

Como profissional de experiência do usuário e envolvido em trabalhos dentro do Governo, eu acredito que a transformação, seja ela digital ou não, só ocorrerá quando ela servir, em primeiro lugar, o cidadão. Essa abordagem, com foco no cidadão, ajuda no alinhamento de políticas e ações governamentais que resolvam os problemas e atendam as necessidades das pessoas.

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Alexandre Berbe

UX Writer ✍️ | Conversational Designer 💬 | Casual Runner 🏃‍♂️